segunda-feira, 13 de abril de 2009

Ilhas na Freguesia do Bonfim: uma questão de (in)segurança!

Publicado em 13 de Abril de 2009 no Jornal "O Primeiro de Janeiro", Página n.º 2.


As ilhas na Freguesia do Bonfim aparecem a partir da segunda metade do século XIX, com o início do processo de industrialização da Cidade do Porto. O seu surgimento é indissociável da incapacidade de o núcleo antigo da cidade responder à crescente procura de habitação operária.
São soluções habitacionais colectivas de um só piso acrescido de um pequeno sótão em alguns casos, frequentemente de acordo com o modelo de costas com costas, construídas sem supervisão municipal, genericamente, com materiais muito baratos e de muito fraca qualidade, sobretudo nas traseiras de habitações da pequena burguesia da área central da cidade do Porto ou em quarteirões inteiros mais ou menos resguardados, com poucas infra-estruturas e com muito reduzida dimensão.
São casas com telhados que não impedem a chuva de corroer o mobiliário e onde os ratos são convidados indesejáveis, deixando marcas de mordidelas nas caras e orelhas das crianças, são realidades que hoje ainda fazem parte do dia-a-dia de cerca de nove mil habitantes das ilhas do Porto.
Ao caminhar pelas ruas estreitas, na Freguesia do Bonfim, onde as casas se encavalitam, torna-se difícil não tropeçar em pequenas habitações que escondem famílias de oito pessoas. Aqui, reinventam-se os quartos de dormir e para ir à casa de banho colectiva os moradores têm de sair ao pátio ou ter dentro dos pequenos espaços habitacionais o chamado de balde higiénico.
Da casa dos Silva a vista é deslumbrante, com o Douro, em baixo, a estender-se languidamente numa imagem de postal a fazer as delícias de qualquer turista que se preze. No entanto, a beleza exterior do espaço entra em choque com a exígua habitação em que Fernanda e Serafim vivem com os seis filhos. Oito pessoas circulando num estreito corredor onde dois não passam ao mesmo tempo. Espreitando para a sala, no chão está um colchão a todo o comprimento, que serve de cama à filha, de 15 anos. Nas paredes já não se reconhece os 1300 euros gastos para melhorar a casa, há sete anos, quando saíram da barraca onde viviam. “Isto é uma miséria.
Quando a nossa filha casada vem visitar-nos temos de a pôr a dormir no chão com o marido”, lamenta Serafim, de 50 anos.
As dificuldades aguçaram o engenho e este desempregado da construção civil teve artes para fazer de um galinheiro o local onde a família se reúne às refeições. Cozinha não existia: ainda há bem pouco tempo se comia em fila na escada. “Foi graças a ele que as coisas melhoraram. Ficámos muito felizes por poder ter uma mesa”, solta Fernanda.
A pobreza não roubou a esta família a alegria de viver, mas a palavra esperança custa cada vez mais a ser dita. “Vivemos com menos de seiscentos euros para oito pessoas. O que é que se faz com este dinheiro?”, argumenta Serafim. Revoltada com a sorte, Fernanda exalta-se: “Veja bem, olhe para este menino, já foi mordido por ratos nas orelhas.”
Ilha Grande, na Rua de S. Vítor
Na Rua de S. Vítor, Freguesia do Bonfim, quase todos os portões dão acesso a ilhas. O hip-hop, ritmo preferido dos jovens aceleras, cria uma estranha mistura com o pimba, a gosto dos mais velhos. Na maior, a Ilha Grande, as histórias de pobreza e abandono repetem-se ao passar por cada porta. No entanto e paredes-meias existe um pequeno bairro social, chamado de Senhora das Dores, já pronto à bastante tempo e em espera de vésperas das eleições autárquicas (Outubro de 2009) para mais um show eleitoralista de entrega de habitações aos coitadinhos.
As ilhas foram desde cedo um importante foco de insalubridade. A demolição de uma parte relevante das mesmas foi a génese do programa de habitação social camarário implementado no tempo do dr. Fernando Gomes.
Em muitos casos, na sequência de vistorias feitas pela autarquia portuense os proprietários são notificados para proceder à respectiva demolição. Na maioria das situações são processos muito morosos.
E em casos em que a própria autarquia portuense é o senhorio, como, por exemplo: a Ilha da Belavista, na Rua de D. João IV, na Freguesia do Bonfim, os moradores (já muito antigos no local) são chamados a pagar as suas rendas a tempo e horas. Em contrapartida a autarquia portuense não resolve os problemas que actualmente os seus inquilinos necessitam, como, por exemplo: o solo das traseiras de toda a ilha está actualmente a abater sem que ninguém tome as medidas necessárias para a resolução de tão perigosa situação. Talvez só tomem uma medida efectiva depois de acontecer uma tragédia.
Muitos moradores das ilhas foram às suas custas melhorando as condições de habitabilidade das casas. Essa situação verifica-se sobretudo ao nível do saneamento básico, instalações eléctricas e também na melhoria de condições dos espaços subaproveitados.
A cidade do Porto constituiu um bom exemplo no passado (de gestão socialista), ao nível nacional, no que respeita à operacionalidade de uma rede muito eficaz de serviços de redução de danos destinada àqueles grupos socialmente conhecidos. O Contrato de Cidade e o projecto para os sem-abrigo foram duas iniciativas inovadoras e exemplares para outros municípios do País.
Eu vi de perto (também aqui nesta área) o associar sempre o saber ao saber fazer bem, consciente de que a acção sem estudo e sem reflexão não tem, nem faz sentido. Por isso, a avaliação e a produção de conhecimento sobre as problemáticas objecto de intervenção estiveram e deveriam continuar a estar sempre presentes na forma de gerir uma autarquia, quer seja no município portuense como nas juntas de freguesia (principalmente na Freguesia do Bonfim).

Nesse passado (de gestão socialista), vi ser constituído um Observatório Permanente sobre a Segurança e vi responder às interrogações que a cidade colocava (nessa altura) no que respeita à segurança e ao sentimento generalizado de insegurança.


Mário de Sousa - Bonfim, Porto
mario.sousa@europe.com

Sem comentários:

Enviar um comentário