NO ANO DE CELEBRAR O CENTENÁRIO DA REPÚBLICA PORTUGESA
No ano em que se celebra o centenário da República, é perfeitamente justificada a evocação e homenagem a Artur d`Oliveira Valença, um portuense de acção, combatente da liberdade, jornalista, empresário desportivo, activista político e lutador contra a ditadura salazarista. O homem que, ainda menor de idade, organizou o Batalhão de Voluntários Portugueses e Brasileiros na 1ª Guerra Mundial, que viria a estar na origem do Corpo Expedicionário Português. E que, durante toda a sua vida, se manteve fiel aos ideais da Democracia e da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Um testemunho aqui relatado por Mário de Sousa, um portuense ligado familiarmente a Artur d`Oliveira Valença, por ser Tio de suas netas, Diana Isabel Valença de Sousa (com 10 anos de idade) e Carla Alexandra Valença de Sousa (com 9 anos de idade) filhas de sua filha Diana Valença (cunhada de Mário de Sousa), a quem também dedica este texto.
São filhos de Artur d`Oliveira Valença:
1 - Micheline Oliveira Valença
2 - Artur Ferreira Valença
3 - Olímpia Oliveira Valença
4 - Emília Isabel Silva Oliveira Valença (irmãs de pai e mãe)
5 - Maria Antonieta Pereira da Silva de Oliveira Valença
6 - Diana Silva de Oliveira Valença (irmãs de pai e mãe)
2 - Artur Ferreira Valença
3 - Olímpia Oliveira Valença
4 - Emília Isabel Silva Oliveira Valença (irmãs de pai e mãe)
5 - Maria Antonieta Pereira da Silva de Oliveira Valença
6 - Diana Silva de Oliveira Valença (irmãs de pai e mãe)
Artur d`Oliveira Valença (1897-1978)
Um portuense de fibra, Homem de convicções firmes e de bom senso
Era uma portuense de fibra. Nascido na freguesia da Vitória, em 12 de Fevereiro de 1897. Artur Valença foi um dos filhos de Luiz Passos de Oliveira Valença. Logo após o casamento com Emília Rosa da Silva, seu pai abrira um estabelecimento de alfaiataria na cidade do Porto, seguindo a tradição da família em Viana do Castelo.
Luiz Valença teve vida curta (faleceu aos 33 anos), e Artur ficou órfão de pai com apenas sete anos. A jovem e dedicada viúva não hesitou em interná-lo no Colégio dos Meninos Órfãos. Nele iniciou a sua instrução básica, ali permanecendo até 1909. Foi neste estabelecimento de ensino, ainda hoje a funcionar no Largo Baltazar Guedes, que o seu espírito se abriu para horizontes largos. Das janelas viradas a oeste, o jovem Artur Valença observava sobre as Fontainhas os comboios atravessando a ponte Maria Pia, e quando, nas idas e vindas para o colégio, passava na Rua de S. Vítor e os seus olhos fixavam-se no intenso tráfego de barcos no Rio Douro que corria lá em baixo. Imaginava outros mundos e outras gentes e a palavra sair pairava no seu espírito. Os livros e o ensinamento dos mestres do seu colégio abriram-lhe a mente para outra palavra - aprender -, a da escola da vida, assim alargando sem descanso os seus conhecimentos com a leitura e a curiosidade pelo que estava fora do círculo restrito da família e da sociedade fechada da cidade do Porto do início do século. XX.
No Colégio dos Órfãos, o jovem Artur Valença aprendeu a crescer por si próprio, ali revelando desde cedo dotes de organização de eventos desportivos. Com 11 anos de idade, organizava na Póvoa de Varzim, onde passava férias com a mãe, uma corrida de bicicletas, mostrando-se um jovem líder que atraia outros jovens, sacudindo o torpor rotineiro a que estavam sujeitos. Com Artur Valença e mais duas filhas menores a sustentar, Emília Rosa preocupava-se com o amanhã. Mas uma porta abrira-se: face à falta de perspectivas de um futuro promissor em Portugal, aproveita a ida para o Rio de Janeiro de um parente de Viana do Castelo para fazer embarcar o filho para o Brasil, com a promessa de um emprego rápido na capital brasileira. E assim, com apenas 13 anos de idade, o jovem Artur Valença vê-se no Brasil a trabalhar num armazém de frutas. Do Rio de Janeiro, onde se mantêm três anos, guarda gratas recordações. Como a do patrão sentado à mesa com os empregados, em agradável convívio. E de como ele lhe dava conselhos adequados à sua adolescência vivida fora da família. Isto era impensável nas relações hierarquizadas do Porto empresarial dos primeiros anos do século XX. Esta imagem do patrão democrático e amigo que tratava os empregados como família, havia de o marcar para toda a vida. De tal modo que usou da mesma conduta de camaradagem para com os colaboradores nas suas empresas: estabelecimentos comerciais, jornais (“Jornal Sporting”, “Diário de Sports”, Editora AOV e Estabelecimento SLAV), sedeados na Cancela Velha até à década de 50 e, depois, na Rua Formosa.
Artur Valença tinha sido também proprietário da Tipografia Sporting, na qual editou milhares de exemplares de um pequeno livro com o Título: “Missão e Fins do Socialismo Democrático” (Porto, 1952, 1960 e 1974). Na 3ª edição, após a restauração da democracia, refere no prefácio: “A 1ª edição levou a PIDE a encerrar a Tipografia Sporting, onde era impresso o jornal “Sporting”, que suspendeu a sua publicação após 32 anos de actividade”. Mas ainda publica a 2ª edição em 1960.
Um empresário do desporto
Artur Valença foi sobretudo conhecido como organizador desportivo. Singular dinamizador do desporto português, dele evocava João Sarabando (“Jornal de Notícias”, 12/03/1978), por ocasião da sua morte. “Eu fazia do desporto um trabalho, e do trabalho um desporto!”, confidenciou, um dia, ao jornalista Costa Dias. Ciclismo, automobilismo, boxe e futebol foram desportos que ganharam adeptos devido ao seu entusiasmo e criatividade, tendo sido presidente do Boavista Futebol Clube (1933-1935) e introdutor do equipamento axadrezado. A par disso, ficou conhecido como acérrimo opositor ao Estado Novo. Militou na velha oposição republicana, conspirando com ânimo e satisfação em todas as campanhas de combate à ditadura, ao lado de Norton de Matos, Quintão Meireles, Humberto Delgado e Mário Soares.
Na cidade do Porto, as reuniões clandestinas ou à mesa do café eram com o António Cândido Miranda Macedo, Armando Bacelar, Artur Morgado Ferreira dos Santos Silva (Artur Santos Silva, Pai), Carlos Cal Brandão, Olívio França e outros. Tudo Artur Valença fazia com uma alegria esfusiante e comunicativa, sentindo um enorme gozo em iludir a estratégia da policia política de modo a poder atingir os objectivos da oposição democrática ao regime. Preparava cuidadosamente, no Coliseu do Porto, as comemorações ao 31 de Janeiro e do 5 de Outubro e distribuiu milhares de folhetos contra a ditadura vigente. Afirmava-se como anti-comunista (o que baralhava os esbirros da PIDE), mas o seu anticomunismo era gerado pela indignação de observar que as ditaduras comunistas da órbita soviética intitulavam-se “socialistas”, sendo Artur Valença um socialista do Socialismo Democrático. Por diversas ocasiões, foi hóspede forçado da prisão da Rua do Heroísmo. É sobre esta sua faceta desportiva e política que lhe foram dedicadas, ainda em vida, festas de homenagem e textos na imprensa portuense (veja-se, por exemplo, o JN de 06/07/1972, com uma página inteira a si dedicada).
Na génese do Corpo Expedicionário Português
Porém, a sua acção como jovem organizador do Batalhão de Voluntários Portugueses e Brasileiros na 1ª Guerra Mundial tem sido esquecida. O Corpo Expedicionário Português (CEP) iniciou o desembarque em Brest (França) em Janeiro de 1917. Mas foi em Agosto de 1914, mais de dois anos antes da formação do CEP, que Oliveira Valença organizou o Batalhão de Voluntários da qual faziam parte 50 elementos de idioma luso, entre portugueses e brasileiros. “Andei sete meses na guerra, fui ferido e recebi a Cruz de Combatente Voluntário”, disse, com a maior simplicidade, ao jornalista Costa Dias, na já citada entrevista que deu ao JN. Oliveira Valença pertenceu, até ao fim de sua vida, à organização “La Légion des Mille”, que agrupava os mil mais jovens voluntários da 1ª Guerra Mundial e que tinha a divisa: “Le devoir, et plus que le devoir”.
E tudo começou porque Artur Valença, regressado da aventura brasileira, foi para Paris aos 16 anos de idade, para aprender a arte de alfaiataria no mundo da alta-costura. Na capital francesa tinha o apoio e conselho do seu grande amigo Xavier de Carvalho, correspondente do JN em Paris, que vivia em França Há alguns anos. A vivência com a sociedade parisiense da época fê-lo refém de uma paixão que manteve até ao fim da sua vida - os ideais da nação francesa: democracia, liberdade, igualdade e fraternidade. Quase pode-se dizer que Oliveira Valença considerou a França como sua segunda pátria. E só assim pode-se compreender a ousadia quase quixotesca de avançar com tamanho arrojo para a formação de um corpo de voluntários que tinha por missão defender a sua dama ameaçada - “La France”.
A sua iniciativa é referida na imprensa francesa da época, como pode-se verificar por recortes de jornais em posse da família, todos de Agosto de 1914: “Presse”, “Petit Journal”, “Le Figaro”, entre outros. Este último, na sua edição do dia 7, publica: “Les Portugais, amis de la France, sont priés de venir s`inscrire chez M. Valença - 51, rue de l`Échiquier (Paris), pour faire partie du corps de volontaires portugais”. Artur d`Oliveira Valença entrou na guerra, tendo sido camarada nas trincheiras, de Adolfo Coutinho de Medeiros e de Carlos Ornelas, os dois primeiros portugueses mortos em combate. Carlos sucumbiu a seu lado e, segundo recordava Oliveira Valença, morreu a assobiar “A Portuguesa”, tentando assim animar os companheiros de trincheira. Este facto é referido no jornal “A Voz da Mocidade”, de 3 de Dezembro de 1914, em texto assinado por Xavier de Carvalho.
Artur Valença faz os seus 18 anos de idade, em 12 de Fevereiro de 1915, nos campos de Craonne, França. Era, naquela época, menor de idade. A mãe escreve à Legação de Portugal, em França, a pedir o seu repatriamento pelo facto de ser menor de 21 anos.
A 3 de Março de 1915, a Legação responde-lhe: “O Ministério da Guerra francês acaba de anular o alistamento do Senhor Artur d`Oliveira Valença”. Regressa à Invicta. Em 12 de Setembro de 1915, é alvo de um banquete de homenagem, sob a presidência de Henrique Pereira d`Oliveira, presidente do Senado Municipal do Porto.
O banquete é realizado no Hotel Continental (localizado na Rua de Entre-Paredes) e nele participaram várias dezenas de pessoas. No convite lê-se: “Em Homenagem a Artur d`Oliveira Valença, organizador do Batalhão de Voluntários Portugueses em Paris - Guerra de 1914-915” (pensava-se, então, que a guerra terminaria nesse ano…).
Criticas de Aquilino Ribeiro
A iniciativa de Oliveira Valença não teve, porém, apoio unânime em Portugal. Para além do facto de existir no território nacional uma forte corrente antiguerrista, que opunha-se tenazmente à participação de Portugal no conflito, chegando a haver, segundo Isabel Pestana Marques, insubordinação das tropas em preparação (veja-se o seu livro “Das Trincheiras com Saudade”, edição Esfera dos Livros, Lisboa, 2008), a acção de Valença é relatada de forma depreciativa e até ridicularizada por Aquilino Ribeiro no seu livro “É a Guerra” (edição Bertrand, Lisboa, 1975). Aquilino Ribeiro refere expressamente “um senhor Valença do Porto” e, embora parecendo simpatizar com o mesmo - “aquele Valença, moreno, forte, bonito rapaz” -, acrescenta uma crítica mordaz - “era digno de melhor sorte”, dando como ponto assente que não haveria batalhão nenhum.
Há ainda um amigo, referido como T.L., que conclui acintosamente: “Abrenúncio! Agora ir debaixo das ordens de um barbeirola de Portugal só porque tomou a iniciativa do batalhão, tó ruça! Vale mais ser comandado por um ´marlou` francês!”.
A tomada de posição de Aquilino Ribeiro contra Oliveira Valença poderia ter a ver com o seu eventual alinhamento com os antiguerristas, ou simplesmente porque o escritor beirão era casado, na altura, com uma senhora alemã, não sendo provável que tenha por base uma posição ideológica, já que “as rivalidades entre as grandes potências de 1914 prendiam-se exclusivamente com o choque de interesses económicos”, situação diferente da que aconteceu em 1939-1945, em que estavam em jogo democracias contra totalitarismos. Por exemplo, nessa época (e para melhor entender os motivos geradores dos dois conflitos mundiais), Rudyard Kipling (1865-1936), a quem George Orwell apelidou de “profeta do imperialismo britânico”, usava como “ex libris” a cruz suástica, símbolo da perfeição e da beleza, utilizado há milhares de anos por diversas civilizações, sentido este que, como sabemos, foi desvirtuado por Adolf Hitler.
Oliveira Valença e o general Pétain
O general Henri-Philippe Pétain (1856-1951) foi um herói nacional, devido à estratégia vitoriosa por si desenvolvida contra os alemães durante a 1ª Guerra Mundial. Mais tarde, veio a ser condenado por traição, por ter presidido ao regime colaboracionista de Vichy, durante a 2ª Guerra Mundial. Pétain chegou a estabelecer, até 1944, um regime marcadamente fascista que colaborava activamente com Adolf Hitler.
Oliveira Valença não lhe perdoou. Homem de acção, combatente da liberdade, jornalista, empresário desportivo e activista político contra a ditadura salazarista, Artur d`Oliveira Valença toma a decisão de se sentar à secretária, algumas horas por dia, durante sete meses, pesquisando, lendo e tomando notas até escrever um livro que arrasa a figura de Pétain, o soldado que traiu os seus ideais de liberdade. Intitulou-o “O Marechal da Derrota” (Edições AOV, Porto, 1945). A sua memória de combatente da liberdade, a que se juntava a recordação de tantos que tinham tombado pela pátria francesa, levou-o a resgatar, desta forma, a honra manchada pela acção deste militar que vergou-se perante o poder nazi. “Quanto eu lamento ter de salpicar a farda de um Marechal de França! E é a França assaltada, enxovalhada, acusada de covardia colectiva, vendida por aqueles que a deviam defender, que eu pretendo erguer, lavar da calúnia e do insulto”, escreve o autor. E Artur Valença não esquece os seus camaradas também ofendidos por Pétain: “Aquele pequeno grupo da Legião (dos Mil), composto por Medeiros, Ornelas, Valença, Spitz, Colle, Jonska, Descamp, Dethiers, Arend, e Spirkel, pequena Arca de Noé que reunia três portugueses, dois belgas, dois holandeses, um suíço, um russo e até um francês… E que a responsabilidade do desastre caia impiedosamente sobre o Marechal da Derrota”.
Em boa hora, a Comissão de Toponímia da Câmara Municipal do Porto fez aprovar, em 2003, a atribuição de “Rua Artur d`Oliveira Valença - Jornalista, 1897/1978”, ao arruamento que principia na Rua de Francos e termina na Rua do Lugarinho, na freguesia de Ramalde, aprovando (por unanimidade) uma proposta feita em meu nome e em representação da Associação de Moradores de Monte do Tadeu / Santo Isidro - Bonfim, Porto. Se bem que a profissão de jornalista tenha sido dignificada por Artur d`Oliveira Valença, talvez fosse mais correcto referir, na placa toponímica, “Combatente da Liberdade”, e que o facto (nome de rua na cidade do Porto) acontecesse ainda durante este ano integrado nas comemorações do centenário da República Portuguesa, visto ser certo que Artur d`Oliveira Valença era um Republicano assumido e, se fosse ainda hoje vivo, tinha mais de uma centena de anos de idade (12/Fevereiro/1897-21/Março/1978).
Mário de Sousa - Bonfim, Porto
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